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Dia das Crianças No CEBEC

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O "Qualidade" Na TV

Peças de Teatro Infantil

O PEQUENO REFORMADOR
Teatro Infantil de Roberto Villani
CENÁRIO
Um recanto de praia deserta.
PERSONAGENS:
O REFORMADOR Um ser extraterreno, na forma de um menino.
O HOMEM Inicialmente, um vagabundo.
A FLOR
O PEIXE
O CÃO
O LEÃO
A RAINHA Um ser extraterreno, na forma de uma mulher serena e altiva.
PRIMEIRO ATO
CENA I
(Reformador, Homem, Flor, Peixe)
O Homem está deitado sob a árvore. O Peixe também mantém-se imóvel, deitado, mais ou menos no centro do
cenário. A Flor, de pé, completamente imóvel, situa-se ao lado do Homem.
REFORMADOR - (entra na ponta dos pés, e aproxima-se do homem): Ei, coisa, deixa-me ver como tu és!
HOMEM - (movimenta-se um pouco e volta a aquietar-se).
REFORMADOR - (sacode o Homem, novamente): Levanta-te.
HOMEM - (começa a despertar, espreguiça, boceja, olha para o Reformador): Deixa-me em paz! Quero
dormir... (boceja) Vai-te. (vira-se para o outro lado).
REFORMADOR - (sacode-o) Coisa, levanta-te! Quero te ver.
HOMEM - (olha-o surpreso, mas volta a aconchegar-se).
REFORMADOR - Como és teimosa, coisa! Ergue-te!
HOMEM - (Irritado): Vai-te embora, garoto. Deixa-me dormir.
REFORMADOR - Deixo-te se te levantares, (pausa). Por que me chamas de garoto?
HOMEM - (De costas, ainda deitado, sem olhar para o Reformador): Porque tu és um garoto. (ergue-se
rapidamente). Oh, és apenas um garoto. Vai-te (quer deitar-se, mas o Reformador o segura).
REFORMADOR - O que é um garoto?
HOMEM - Um garoto?! Ora, um menino, um guri...
REFORMADOR - Ainda não entendi. Mas não faz mal. Só quero saber que coisa tu és...
HOMEM - Coisa?!
REFORMADOR - Sim, que coisa tu és?
HOMEM - Um homem, não estás vendo?
REFORMADOR - (examinando-o) Hum! Um homem. Engraçado como tu és feito.
HOMEM - Sou igual a ti. Só que tu estás pequeno e eu já sou grande...
REFORMADOR - Não sou igual a ti.
HOMEM - Não?! Como, assim? Estou te vendo. És igualzinho...
- 1 -
REFORMADOR - São os teus olhos que me vêem assim.
HOMEM - (senta-se ao chão): Não sei o que tu falas. Vai-te.
REFORMADOR - Falo a tua língua. Mas tu pareces não me entender...
HOMEM - (deitando-se) E não te entendo. Quero dormir.
REFORMADOR - (pensativo): Será que eu não aprendi direito?
HOMEM - O que não aprendeste.
REFORMADOR - A tua língua. Não me entendes...
HOMEM - (volta a sentar-se): Tu não és deste país?
REFORMADOR - Não. Nem deste mundo.
HOMEM - (volta a deitar-se): Ora, és um pequeno louco.
REFORMADOR - O que é um louco?
HOMEM - Deixa-me dormir, já te disse.
REFORMADOR - O que é um louco?
HOMEM - Está bem... Louco é um homem que não regula bem... Que não funciona.
REFORMADOR - (indignado): Mas, eu funciono! (pausa) O que é funciono?
HOMEM - Bah!
REFORMADOR - O que é funciono?
FLOR - Deixe-o pequeno. Ele quer descansar.
REFORMADOR - (corre à flor): Então, dize tu o que é louco e funciono.
FLOR - Louco é um ser que não pensa direito.
REFORMADOR - E funciono?
FLOR - Funcionar, nesse caso, é fazer as coisas de modo certo.
REFORMADOR - Quando se sabe quando se faz as coisas de modo certo?
FLOR - Quando se faz como todos os outros que pensam direito o que fazem.
REFORMADOR - Agora entendi. Tu falas bem. (pausa) Mas, quem tu és?
FLOR - Uma flor.
REFORMADOR - E para que serves?
FLOR - Para enfeitar a vida dos homens...
REFORMADOR - Ah, compreendo... (pausa) Não te moves?
FLOR - Não posso.
REFORMADOR - Por que?
FLOR - Sou assim. Estou presa à terra. Cresço e morro no mesmo lugar. Não posso buscar alimento.
Se me molham, vivo. Se me esquecem, morro.
REFORMADOR - É triste a tua vida. Tenho pena de ti.
HOMEM - (ainda deitado) Vai-te garoto! Deixa-nos em paz!
REFORMADOR - (Para o Homem): E lá vens tu com o garoto. Não sou garoto. Sou reformador.
HOMEM - (ri): Reformador? Qual! É um louco.
FLOR - Não zombes, homem. É ainda um pequeno.
HOMEM - Até tu estás maluca. O jeito é dormir. Ah, como é bom dormir.
REFORMADOR - (Para a Flor): Será que ele só pensa em dormir?
FLOR - Nem sempre. Às vezes, pensa em destruir, fica muito mau, de repente. É quando não pensa
direito.
- 2 -
REFORMADOR - Então, só os que dormem não são louco?
FLOR - Oh, não! Há os que trabalham.
REFORMADOR - Mas, tu me disseste que acordado ele não pensa direito.
FLOR - Eu te disse que às vezes ele não pensa direito.
REFORMADOR - É quando fica louco. (olha triste para o Homem)
FLOR - Mais ou menos.
REFORMADOR - (olhando para o Peixe): Que é aquilo?
FLOR - É um peixe. Animal que vive na água.
REFORMADOR - Ah, sim. Já ouvi falar dele. (aproxima-se do peixe e olha-o bem de perto): Mas, este vive na
areia. E não se move como tu.
FLOR - Ele está morto.
REFORMADOR - O que é estar morto?
FLOR - É não ter mais vida. Não respirar, não ouvir, não falar... Ele vai apodrecer, ficar feio e mal
cheiroso.
REFORMADOR - (abaixa-se): Coitadinho. Tenho pena dele como tenho de ti. Não pode mover-se (fica de
cócoras): Gostaria que ele voltasse a viver! (o Peixe dá um pulo, derruba o Reformador, que
cai sentado, e põe-se a debater-se).
FLOR - Acho que ainda não tinha morrido.
REFORMADOR - Não! Eu o reformei, de morto para vivo. Mas, por que ele não pára?
FLOR - Não pode respirar. Está fora da água. Vai morrer...
PEIXE - (pára de se debater, olha-se todo, surpreso): Ué, eu estava morto?
REFORMADOR - Eu te reformei. Agora viverás mesmo fora da água.
FLOR - Fantástico! Como o conseguiste?
REFORMADOR - Eu sou reformador, já disse. Posso reformar tudo o que considero errado. Achei que um
peixe morto era errado...
PEIXE - Obrigado, amigo.
REFORMADOR - (comove-se) Há muito tempo ninguém me chamava de amigo.
FLOR - Pois se te alegra, eu também sou tua amiga.
REFORMADOR - Verdade?
REFORMADOR - Então... Gostaria que tu pudesse ainda, como o Homem.
FLOR - (põe-se a andar, pular, exultante): Veja, veja! Eu posso até correr! (ajoelha-se aos pés do
Reformador): Obrigada. Eu te quero muito.
REFORMADOR - (passa as mãos nos olhos. Está comovido) É tão bom ter amigos...
PEIXE - Pois já tens dois. Logo, terás muito mais.
REFORMADOR - Não quero muitos. Quero poucos, mas amigos.
FLOR - Dize-me, Reformador, de onde tu vens?
REFORMADOR - De muito longe.
PEIXE - Que poderes tu tens?
REFORMADOR - Não tenho poderes. Sou apenas um reformador.
FLOR - És um pequeno sábio.
- pequena pausa -
REFORMADOR - Vamos brincar de roda?
FLOR - E tu sabes brincar?
- 3 -
REFORMADOR - Sou um pequeno, tu mesma o reconheceste.
PEIXE - Eu quero. Sempre quis brincar como as crianças.
- Os três põem-se a brincar de roda. Cantam a Ciranda. Com o barulho, o Homem passa
a despertar. Olha, espantado, para os três, dá um salto, pondo-se de pé).
HOMEM - É espantoso! (sacode a cabeça): Não , não estou sonhando. É real! (aproxima-se dos três,
que estão ainda brincado de roda): Que aconteceu?
PEIXE - (sem deixar de brincar) Ele me reformou! Pôs-me vivo.
FLOR - (também rodando): a mim também. Pôs-me andante.
HOMEM - (deslumbrado) és milagroso?
REFORMADOR - Não, sou reformador.
HOMEM - Poderias fazer alguma coisa por mim?
REFORMADOR - (ainda na roda): Quem sabe!
HOMEM - Eu queria pouco, sabe. Muito pouco.
REFORMADOR - (para a Flor e o Peixe): (todos os três sentam-se no chão. O Reformador fica no meio).
FLOR - (para o Homem): Não lhe peças nada. É feio.
PEIXE - Concordo. Deixe que ele descubra o que queres.
REFORMADOR - Eles têm razão. Se tu me pedisses, eu não teria força para te reformar. É do regulamento.
HOMEM - Ora, deixe esse regulamento prá lá.
FLOR - Não insistas.
REFORMADOR - O regulamento é severo. Eu não poderia.
PEIXE - (para o Homem): ele descobrirá.
HOMEM - Quando?
PEIXE - Logo que te fizeres amigo dele.
FLOR - Isso mesmo. Quando tu provares que és amigo dele.
HOMEM - (pensa um instante. Depois, dá um estalo com os dedos): Pois bem, vou provar-te que sou
teu amigo.
REFORMADOR - Que vais fazer?
HOMEM - Jogar-me na água. Afogar-me. Queres prova melhor? Morro por ti.
FLOR - Não o iludas, Homem.
HOMEM - Mas, eu não o estou iludindo. Farei isso mesmo, duvidas?
REFORMADOR - Não precisas de tanto. Basta ter paciência. Espera.
HOMEM - Esperar até quando?
PEIXE - Até que o Reformador resolva.
CENA II
(Reformador, Homem, Flor, Peixe, Cão)
CÃO - (Entra, apoiado numa muleta): Ai de mim, que sofro tanto. Ai de mim, pobre cão vira-lata com
uma perna de pau.
REFORMADOR - (ergue-se e vai ao encontro do cão): Como te chamas?
CÃO - Nem nome eu tenho. Sou um cão vadio. Não tenho dono. Ai de mim...
REFORMADOR - Mas, todos têm nome.
CÃO - Quando lhes dão um nome. E eu nem dono tenho...
FLOR - Pobre cão!
- 4 -
PEIXE - Se eu pudesse, ficaria contigo. Seria teu dono.
HOMEM - (Para o Reformador): E o meu caso?
REFORMADOR - (Para o Homem): Já te disse para esperar.
FLOR - A paciência é uma virtude.
CÃO - Ai de mim, um perna de pau...
REFORMADOR - (Ao Cão): Eu poderia ser teu dono?
CÃO - (Contente): Claro! As crianças são os melhores donos.
REFORMADOR - Então, sou teu dono.
CÃO - (Exultante, larga a muleta, abrindo os braços e tomba).
(A Flor, o Peixe e o Reformador correm a ajudá-lo a levantar-se)
CÃO - (Enquanto é reerguido): Ai de mim... Perna de Pau...
FLOR - (Para o Reformador): Agora que te tornaste dono do Cão, precisas dar-lhe um nome.
PEIXE - (Para a Flor): Tens razão. Um bom nome.
REFORMADOR - (Para o Homem): Tu que estás tão calado, não conheces um bom nome?
HOMEM - Para ele, só um. Perna de pau! (desata a rir).
REFORMADOR - Não deves apontar o defeito dos outros. Nem rir do mal alheio. Isto é horrível.
FLOR - Assim, não conquistas a amizade do Reformador.
HOMEM - Mas, afinal, ele é perneta.
REFORMADOR - Pois vou reformá-lo. Gostaria que o Cão pudesse andar sem a muleta.
CÃO - (deixa cair a muleta): Vejam, posso parar de pé. Não caio. (Pega nas mãos do Reformador):
Oh, me dono, como és bondoso.
REFORMADOR - Reformo o que está errado.
PEIXE - E o nome?
FLOR - Sim, o nome. Eu sugiro Bobe.
PEIXE - E eu, Rex.
HOMEM - (Com desdém): Eu não sugiro nada. A mim, ninguém reforma.
REFORMADOR - Não. Nenhum desses nomes serve. Ele pode pensar. E escolher. (para o Cão): Que nomes
queres ter?
CÃO - Lorde.
HOMEM - (Com desdém): Lorde? Que belo nome...
PEIXE - É um nome.
FLOR - Se ele gosta, é bonito.
CÃO - (sonhador): Eu gosto. É o nome dum meu conhecimento, É um cão de raça.
REFORMADOR - Oh, então tens um amigo...
CÃO - Ele não é meu amigo. Apenas eu o admiro. Gosto de olhar para ele.
FLOR - Por que?
CÃO - Não sei. É bem tratado pelo dono, sabe. Não liga muito para mim. Na verdade, nem me olha
quando passo por ele.
PEIXE - Orgulhoso.
HOMEM - Mas, ele pode ser orgulhoso.
REFORMADOR - Não é bom ser orgulhoso.
CÃO - Mas ele é. Ai de mim, perna de pau... Opa, agora não sou mais. E tenho dono, também. E
tenho um nome. Lorde... (com reverência): Senhor Lorde.
- 5 -
HOMEM - (Com desdém): Senhor... (para o Reformador): Já reformaste todos, só a mim que esqueces.
REFORMADOR - Quando fores sincero e amigo, reformo-te.
HOMEM - Mas, eu sou amigo. E sincero, não pode negar.
REFORMADOR - Sentes inveja dos outros. Não podes ser sincero. Acalma-te.
FLOR - Vamos comemorar?
REFORMADOR - O que?
FLOR - O progresso do Cão.
PEIXE - Isso!
CÃO - Oh, não vos incomodeis...
REFORMADOR - Vamos sim. E como.
HOMEM - Posso dar uma idéia?
FLOR - Desde que seja sensata.
PEIXE - Não venhas com bobagens.
HOMEM - Poderíamos cantar.
REFORMADOR - É uma boa idéia.
PEIXE - E o que iríamos cantar?
REFORMADOR - Perguntemos ao Cão.
CÃO - Prefiro música moderna.
FLOR - E eu também.
HOMEM - Tenho um violão, ali atrás da árvore.
PEIXE - Sabe tocar?
HOMEM - Arranho um pouco...
REFORMADOR - Então, o que esperas. Anda. Vai buscar o violão.
- (O Homem caminha para a árvore, enquanto os demais sentam-se ao chão, em semicírculo. O
Homem volta com o violão, senta-se entre os outros e põem-se todos a cantar uma música
moderna. O Cão, desafinado foge ao tom espalhafatosamente).
CENA III
(Todos da cena anterior, mais a Rainha)
- (O grupo, menos a Rainha, estão cantando. A Rainha aproxima-se, lentamente, sem ser
percebida. Ouve, imóvel, durante alguns segundos, até que o Reformador e os demais notam a
sua presença).
REFORMADOR - (Ergue-se, como um autômato, aproxima-se da Rainha e ajoelha-se aos seus pés, com
reverência).
RAINHA - É bom ver-te.
REFORMADOR - (Ainda ajoelhado): Bondosa Rainha.
RAINHA - Ergue-te. Quero olhar-te nos olhos.
REFORMADOR - (Ergue-se e fica imóvel diante da Rainha)
RAINHA - Por que fugistes?
REFORMADOR - Precisava.
RAINHA - Há muito te procuro.
REFORMADOR - Perdoa-me.
RAINHA - Que fizeste de mal?
- 6 -
REFORMADOR - Perdi os amigos de lá.
RAINHA - Por que não me procuraste?
REFORMADOR - Não queria te incomodar...
RAINHA - Não me incomodarias. Que fizeste afinal?
REFORMADOR - Queria reformá-los.
RAINHA - Erraste por isso.
REFORMADOR - Mas, as idéias deles eram erradas...
RAINHA - Erradas para ti. Para eles, não. Devias ter respeitado os princípios deles.
REFORMADOR - Não pense nisso.
RAINHA - Estás arrependido?
REFORMADOR - Muito.
RAINHA - Queres voltar?
REFORMADOR - Se me perdoassem...
RAINHA - Talvez.
REFORMADOR - Por que não me obrigas a voltar? És a Rainha.
RAINHA - Tua vontade deve ser respeitada.
REFORMADOR - É uma lição. (pausa). Tenho saudades de lá.
RAINHA - Então, voltarás.
REFORMADOR - Se eles me perdoarem.
RAINHA - Falarei com eles. Compreenderão, eu acho.
REFORMADOR - Faze o possível. Imploro-te.
RAINHA - (Pousa uma das mãos no ombro do Reformado, terna): Farei, tranqüiliza-te. (olha para os
outros, que estão estáticos, espantados. Caminha ao encontro deles, um por um): Quem
são?
REFORMADOR - Meus amigos da Terra.
RAINHA - (Chega-se à Flor): Que és?
FLOR - (Temerosa): Eu sou a Flor.
RAINHA - (Vai ao Peixe): E tu?
PEIXE - (Medroso): O Peixe.
RAINHA - (Caminha ao Cão): E tu?
CÃO - (assustado): Sou o Lorde.
RAINHA - Lorde?
REFORMADOR - É um cão. Lorde é o seu nome.
RAINHA - (para o Cão): Pareces te orgulhar do teu nome.
CÃO - (mais à vontade): Gosto muito. Eu o escolhi.
RAINHA - (para o reformador): Parece-me que andaste trabalhando muito por aqui.
REFORMADOR - Reformei o que achei errado.
RAINHA - (vai ao Homem): Este não me parece contente.
HOMEM - (encabulado): Não muito.
RAINHA - E por que?
HOMEM - (aponta para o Reformador): Ele não me atendeu, ainda.
RAINHA - Espera e o conseguirás. (para a Flor): Que te fez o Reformador?
- 7 -
FLOR - Fez-me andante.
RAINHA - (para o Peixe): E a ti?
PEIXE - Fez-me vivo fora da água.
RAINHA - (ao Cão): Tu me pareces muito contente.
CÃO - E estou. Livrei-me da muleta, tenho um dono e um nome. Ele é muito bom (aponta para o
Reformador).
REFORMADOR - São todos bons amigos. É triste ter que deixá-los um dia
FLOR - Nós sentiremos muito.
PEIXE - Nem sei o que farei sem ele.
CÃO - (ao Homem): Que dizes?
RAINHA - (ao Homem): Que dizes?
HOMEM - Se ele não me reformar, pouco poderei lamentar.
RAINHA - (Caminha um pouco, até um canto do cenário, por onde entrou e por onde deverá sair.
Vira-se e fala ao Reformador): Devo ir-me. Tranqüiliza-te. Farei o possível. (ao grupo): Se ele
se for, voltareis ao que éreis. As reformas perdem seu efeitos. E os reformados retornam ao
estado anterior. É o regulamento.
HOMEM - Pouco lamentarei.
PEIXE - Morrerei fora da água.
CÃO - Ficarei sem dono e aleijado. É muito triste...
REFORMADOR - (caminha para o canto oposto ao da Rainha. Está desolado. Começa a chorar).
- (Todos corem ao encontro do Reformador, para conformá-lo, menos o Homem).
RAINHA - Até breve! (sai)
FIM DO ATO I
SEGUNDO ATO
CENA I
(Homem, Leão).
(O Homem, sentado abaixo de uma árvore, está cantando, acompanhando-se ao violão. Depois
de alguns minutos, o Leão entra. O Homem, ao vê-lo, correr a ocultar-se atrás da árvore, com
medo).
LEÃO - (corre todos os cantos do cenário, como à procura de alguém. Não vendo quem procurava,
abre os braços desolado)
HOMEM - (espreita-o, assustado).
LEÃO - (descobre o Homem e tenta aproximar-se).
HOMEM - Não te aproximes.
LEÃO - (dá mais dois passos).
HOMEM - Não te aproximes, já disse!
LEÃO - Estás com medo?
HOMEM - Claro. Fala de onde estás. Que queres?
LEÃO - Falar com o Reformador.
HOMEM - Ele não está. Volta mais tarde.
LEÃO - Prefiro esperá-lo.
HOMEM - Vai-te. Se não, tenho que ficar por aqui todo o tempo.
LEÃO - Não temas. Não te farei mal.
- 8 -
HOMEM - És um leão.
LEÃO - Mas, não estou com fome.
HOMEM - De repente...
LEÃO - Não há perigo, já te disse.
HOMEM - Bem... Dás a palavra?
LEÃO - Palavra!
HOMEM - (ainda temeroso, chega-se ao Leão): Que queres do Reformador?
LEÃO - É com ele.
HOMEM - Não posso saber? Afinal sou amigo dele...
LEÃO - Os amigos não resolvem. Quero falar com ele.
HOMEM - (volta a sentar-se sob a árvore e começa a dedilhar no violão): Está bem. Logo virá.
LEÃO - (Vai a um canto do cenário, logicamente no lado oposto em que os atores costumam entrar e
sair de cena. Senta-se).
CENA II
(Homem, Leão, Flor, Peixe, Cão)
- (Entram, cantarolando, a Flor, o Peixe e o Cão, este sempre desafinado. Não percebem a
presença do Leão. Ficam de costas para ele e cantam juntos com o Homem).
- Depois de alguns segundos. -
LEÃO - Como é, o Reformador vem ou não?
- (Os três olham para o Leão, indiferentes, pois ainda não perceberam que se trata de um leão).
CÃO - Logo virá. (aí, olha-o detidamente, percebendo que se trata de um leão): Um leão!
- (Os três dão um salto e põem-se a tremer. O Homem continua dedilhando).
FLOR - Que queres?
LEÃO - Falar com o Reformador.
PEIXE - Não sei se ele falará contigo.
LEÃO - Por que?
PEIXE - Terá medo de ti.
HOMEM - Não é perigoso.
CÃO - (cheio de pavor). Mas é um leão.
FLOR - E tem cara feia.
LEÃO - (ergue-se e tenta aproximar-se).
PEIXE - Não se aproxime.
HOMEM - Não lhe fará mal.
FLOR - Não creio.
LEÃO - (aproximando-se): Ora, não estou com fome.
- (A Flor e o Peixe escondem-se atrás da árvore. O Cão quer fugir mas não consegue).
CÃO - Não posso correr. Tenho as pernas presas.
HOMEM - Não seja covarde.
LEÃO - Vou provar-te que não faço mal.
- 9 -
CÃO - Não, não venha. Por favor...
PEIXE - (atrás da árvore): Corre, Lorde.
FLOR - Ele te comerá todinho.
CÃO - Por favor, vai-te daqui.
LEÃO - (bem próximo): Não te farei mal, verás.
- (O leão, já à frente do Cão, toca suavemente em seu ombro. O Cão, joga-se ao chão e põe as
pernas para o ar, por alguns segundos.
LEÃO - (afasta-se um pouco): Se quisesse devorar-te, já o teria feito.
CÃO - (ergue-se, lentamente): É mesmo. Tu não és mau...
- (A Flor e o Peixe, mais aliviados, chegam-se ao grupo).
HOMEM - (aponta para a Flor e o Peixe): Não me parecem bons amigos.
LEÃO - Quem?
HOMEM - Esses dois.
FLOR - Somos amigos.
PEIXE - Claro.
HOMEM - Se fossem, não deixariam o Cão sozinho.
CÃO - Ora, não foi por mal...
HOMEM - Os amigos são para as horas difíceis.
LEÃO - Esta é uma verdade.
CÃO - Eu os compreendo.
FLOR - (triste): Tens razão. Homem. Falhamos.
PEIXE - (ao Cão): tu nos perdoas?
CÃO - Não há o que perdoar.
LEÃO - E quando é que o Reformador chega, afinal?
HOMEM - Logo, já te disse.
FLOR - O que te traz aqui?
LEÃO - Assunto particular.
PEIXE - Seja lá o que for, se falares assim com ele, nada conseguirás.
CÃO - Isso é verdade. (mostra-se ainda com medo do Leão).
HOMEM - Eu que o diga!
FLOR - Para teres uma idéia, o Homem ainda não conseguiu ser reformado.
LEÃO - Não deve tê-lo sabido convencer.
HOMEM - Palavras não adiantam.
CÃO - Deves provar que és amigo.
FLOR - E isso é um pouco difícil.
LEÃO - Se ou não fosses amigo, já vos teria devorado.
CÃO - Isso é verdade.
HOMEM - (ao Cão): Não falas outra coisa, agora?
PEIXE - Que acontece com o Lorde?
HOMEM - Quebrou o disco. Isso é verdade, isso é verdade...
CÃO - Isso é verdade.
HOMEM - Bolas!
- 10 -
LEÃO - O que me importa é logo ver o Reformador.
FLOR - Logo virá.
CENA III
(Reformador e os demais)
- (O Reformador entra, cabisbaixo)
PEIXE - (apontando para o Reformador): Ei-lo.
LEÃO - (corre ao Reformador): Preciso de ti.
REFORMADOR - Quem és?
CÃO - Não tens medo dele?
REFORMADOR - Não sei quem és. Quem és?
LEÃO - Sou um leão.
FLOR - Rei dos animais.
PEIXE - O mais forte de todos.
LEÃO - (entristece-se): Antes fosse.
REFORMADOR - E por que não?
LEÃO - Sou um leão fracassado.
HOMEM - É a primeira vez que vejo um leão fracassado
LEÃO - Pois sou,
REFORMADOR - Que queres de mim?
LEÃO - Que me reformes.
(Todos se olham admirados).
REFORMADOR - Não me peças nada. Conta-me a tua história e deixa que eu descubra o que pretendes.
HOMEM - É o tal regulamento.
FLOR - E como sabes que ele é teu amigo?
REFORMADOR - Conheço a fama dos leões. Se esse não fez mal a nenhum de nós, logo é amigo.
LEÃO - Falaste certo.
PEIXE - Bem que nos assustou.
REFORMADOR - Fala. Mas, só a história.
LEÃO - Na selva onde eu moro, há três leões. Um deles será o rei. O mais forte. Marcou-se uma luta.
O vencedor será coroado.
REFORMADOR - E qual é o teu problema?
LEÃO - Sou o mais fraco dos três.
REFORMADOR - É fácil adivinhar o que pretendes. Ser forte.
LEÃO - Isso.
CÃO - É verdade...
HOMEM - Não te esqueças que as tuas reformas não terão mais efeito se partires.
REFORMADOR - (abaixa a cabeça, triste): Sim, eu sei...
FLOR - Ora, homem, não o faças entristecer.
PRIXE - És imprudente.
CÃO - Se eu pudesse, dava-te uma mordida.
HOMEM - Está bem, não devia... Desculpe-me.
LEÃO - E então?
- 11 -
REFORMADOR - Não sei... Se eu partir, serás deposto. É o regulamento.
HOMEM - Bolas! Diabo de regulamento.
FLOR - Por que tu não ariscas, pequeno? Talvez...
PEIXE - Sim, talvez a tua rainha resolva...
CÃO - Seria bom, seria bom...
HOMEM - (para o Cão): Arre! Até que enfim, mudaste o disco.
REFORMADOR - Deixa-me pensar. (senta-se, põe as mãos na cabeça, como se estivesse meditando)
- Os outros põem-se a torcer.
LEÃO - (implorando): Resolve.
REFORMADOR - (volta a ficar de pé): Gostaria que tu fosses o rei da tua selva.
- (Todos, menos o Homem, dão vivas de alegria e põem-se a brincar de roda).
HOMEM - Só eu não tenho sorte. (param de rodar).
REFORMADOR - (ao Homem): Tenho pena de ti. És o mais infeliz.
HOMEM - Quem fala! Tu és o culpado. Não me atendes...
REFORMADOR - Mas, o regulamento...
HOMEM - (irritado): Que se amole o regulamento. Esqueça-o!
REFORMADOR - Tu sabes que eu não posso.
HOMEM - Faz uma semana que estamos aqui. E nada! Tu e teu regulamento...
FLOR - Espera.
PEIXE - Que impaciente tu és.
HOMEM - Ora, vão para o diabo! Vocês estão satisfeitos, eu não
REFORMADOR - Vês, não és tão amigo como dizes.
PEIXE - Os amigos devem perdoar os erros. Como o Lorde fez comigo e com a Flor.
CÃO - Isso é verdade!
HOMEM - (põe-se de pé, raivoso. Para o Cão): E eu, cala-te.
CÃO - (Dá um salto e morde a traseira do Homem, que dá pulos de dor).
REFORMADOR - Por que fizeste? Não devias.
CÃO - Insultou-me. E a ti.
LEÃO - Depois, o perigoso sou eu.
FLOR - Ora, Lorde. Foste longe demais.
PEIXE - Pede-lhe desculpas.
CÃO - (cabisbaixo): Desculpe-me.
HOMEM - (apalpando, com caretas, o lugar mordido): Não foi nada. Fui o culpado. Afinal, somos
amigos...
REFORMADOR - Gostei de te ouvir. Começas a provar que és amigo.
LEÃO - E eu, que devo fazer?
REFORMADOR - Vai-te. Participa da luta. Serás o vencedor.
LEÃO - (apressado): Até breve, turma! (sai) Todos - Até breve!
- Pequena pausa.
HOMEM - Não tiveste medo dele?
REFORMADOR - Não. Logo percebi que era um leão covarde.
- 12 -
FLOR - Conheces as pessoas.
REFORMADOR - Procuro conhecê-las, pelo menos agora. Antes não pensava assim. Não teria deixado o meu
mundo. (Caminha triste e senta-se em baixo da árvore).
PEIXE - Ora, pequeno. Logo a rainha virá e tudo voltará a ser como antes.
REFORMADOR - Por isso é que sofro. Também tu voltarás a ser como antes. E a Flor... E o Cão...
HOMEM - Menos eu. Nunca saí disto. (mostra as roupas maltrapilhas).
REFORMADOR - (estala os dedos): Já sei! Queres uma roupa nova!
HOMEM - (desolado): Qual nada. Quero mais. Uma roupa nova logo seria velha.
FLOR - És ambicioso.
PEIXE - Isso é mau.
CÃO - Deixem-no. Ele é como é.
REFORMADOR - Se houvesse um meio para livrar todos do regulamento...
HOMEM - Agora, sim. Pensas como um sábio.
CÃO - O meu dono é um sábio.
FLOR - Talvez houvesse um meio...
PEIXE - E se falássemos com a rainha?
REFORMADOR - Não adiantaria. Também não depende dela.
HOMEM - Com teus superiores.
REFORMADOR - A rainha é a superiora.
CÃO - Nesse caso, ela poderá resolver.
REFORMADOR - O regulamento é superior à rainha
HOMEM - Claro está que tu é que não queres resolver.
REFORMADOR - (irritado): Não sejas bobo. Quero-vos mais que a mim mesmo. Se a minha morte resolvesse...
FLOR - (chega-se ao Reformador e segura-o no rosto): A morte nunca resolve nada. Queremos
como és, bem vivo, mesmo que seja muito longe daqui.
CÃO - Isso é verdade.
HOMEM - Insuportável.
PEIXE - O que resolverá será a nossa compreensão. Paciência.
FLOR - Sim, compreendemos a situação.
HOMEM - Mas, deve haver um jeito...
PEIXE - Também acredito que sim.
CÃO - Isso é... Ou melhor... É muito certo...
- Põem-se todos a pensar.
CÃO - Tenho uma idéia!
REFORMADOR - Diga!
CÃO - Se mantiveres as formas até a hora da partida, elas perderão o efeito, certo?
REFORMADOR - Certo!
CÃO - Voltaremos a ser como antes da tua reforma?
REFORMADOR - Isso.
CÃO - Então, vos contarei o meu plano.
- (Todos se reúnem num canto, em confidência)
- 13 -
FIM DO ATO II
TERCEIRO ATO
CENA I
(Homem, Reformador).
-(O Homem está deitado no chão. O Reformador, de costas para o público, olha para cima da
árvore).
REFORMADOR - Já viste?
HOMEM - O que?
REFORMADOR - Nesta árvore. Dois bichinhos esquisitos.
REFORMADOR - Não sei... São esquisitos.
HOMEM - O que eles têm de esquisito?
REFORMADOR - Um é verde. O outro é azul.
HOMEM - tem o bico redondo?
REFORMADOR - (procura ver melhor): Sim, (ri) Engraçado...
HOMEM - São periquitos.
REFORMADOR - Dormem encostados um no outro.
HOMEM - Aquecem-se.
REFORMADOR - O luar faz brilhar a roupa deles.
HOMEM - (ri): Não é roupa.
REFORMADOR - Não? E o que é?
HOMEM - São as penas. Assim como o cão é coberto de pêlos, eles são de penas.
REFORMADOR - Ficam muito bonitos sob o luar. (pausa) será que precisam de reforma?
HOMEM - Oh, não. Eles são perfeitos.
REFORMADOR - (chega-se ao Homem. Deita-se ao lado dele): Tu moras numa árvore?
HOMEM - Numa árvore? Claro que não!
REFORMADOR - Pois devias morar numa árvore. Veria as estrelas.
HOMEM - Daqui de onde estou, vejo as estrelas. E daí?
REFORMADOR - Não é como vê-las de nossa casa. Onde eu moro, não se vê as estrelas. Somos cobertos por
eterno nevoeiro. É triste.
HOMEM - Ora, não te lamentes. Onde eu moro posso ver as estrelas, tantos são os buracos.
REFORMADOR - Tua casa é furada?
HOMEM - Completamente. É um buraco feito com tábuas de caixotes e coberto com folhas de zinco. O
zinco está velho e os buracos são muitos.
REFORMADOR - Pobre homem. Queres uma casa nova?
HOMEM - De que me valerá se não tenho dinheiro?
REFORMADOR - Dou-te dinheiro. Reformo-te.
HOMEM - Não, obrigado, De nada adiantará. Não estou preparado para a riqueza...
REFORMADOR - Como estás mudado, Nem pareces aquele que conheci há dez dias.
HOMEM - Aprendi muito contigo.
REFORMADOR - E ficarás assim, pobre?
HOMEM - Vou me arranjando. Depois, pretendo procurar um emprego. Aí a coisa melhora.
- 14 -
REFORMADOR - Queres um emprego? Posso te dar.
HOMEM - Não. Quero encontrá-lo com meu próprio esforço. Não tem valor o que se ganha sem
esforço.
REFORMADOR - Tens razão. (ergue-se): Vamos brincar de amarelinha?
HOMEM - Como? Brincar de amarelinha?
REFORMADOR - Isso mesmo, vamos?
HOMEM - Ora, pequeno... Eu já não estou na idade de...
REFORMADOR - Estás enganado. Nunca é tarde para se brincar de amarelinha.
HOMEM - Não ficaria bem. O que diriam os outros?
REFORMADOR - Não diriam nada. Ficariam contentes de te ver brincar comigo.
HOMEM - Está bem. (ergue-se): Mas, previno-te, não me lembro mais como é esse negócio.
REFORMADOR - Eu te faço lembrar.
HOMEM - E tu sabes?
REFORMADOR - Vi algumas crianças brincando. Aprendi. É fácil.
HOMEM - Bem... Nesse caso...
REFORMADOR - (começa a riscar o chão): Tu não brincas com crianças/
HOMEM - Oh, não. Não conheço muitas...
REFORMADOR - E as poucas que tu conheces?
HOMEM - Não se atreveriam.
REFORMADOR - (terminando de riscar): Credo! Por que?
HOMEM - Chamam-me de Zé Sujeira. Quando eu passo, jogam-me pedras. Tu foste o primeiro menino
de quem eu pude me aproximar. Por isso, gosto de ti.
REFORMADOR - Preciso de uma pedra.
HOMEM - (assusta-se): Oh, não. Vá. Tu também?
REFORMADOR - (emocionado, corre ao Homem, abraçando-o): Não, não. Não é para atirar em ti. Nunca. É
para o nosso jogo.
HOMEM - Puxa, que susto me deste. Pensei...
REFORMADOR - Não, amigo. Nunca faria uma coisa dessas.
HOMEM - Ali está uma (aponta para o chão).
REFORMADOR - (corre a apanhá-la): Esta serve.
HOMEM - Então, vamos começar. Tu primeiro.
REFORMADOR - Não, tu.
HOMEM - Esqueces que eu não me lembro?
REFORMADOR - Tens razão. Então, eu começo. (começa a pular).
HOMEM - Agora, estou me lembrando. É fácil.
REFORMADOR - (pulando): Os jogos das crianças são sempre fáceis.
HOMEM - Gosto de te ver contente.
REFORMADOR - Não estou muito. Procuro esquecer a tristeza.
HOMEM - Erraste. Pisaste na grama.
REFORMADOR - (passa a pedra ao Homem): Viu como te lembras?
HOMEM - (pulando): Qual é a tua tristeza?
REFORMADOR - Hoje é o dia.
HOMEM - Dia?
- 15 -
REFORMADOR - A minha rainha deverá voltar.
HOMEM - Devias estar alegre.
REFORMADOR - Mas não estou. Se ela conseguiu...
HOMEM - (ainda pulando): Conseguiu o que?
REFORMADOR - Convencer os de lá. Terei de voltar.
HOMEM - Errei. Agora és tu.
REFORMADOR - 9começa a pular): Não gostaria. Mas, as saudades...
HOMEM - Lá é o teu mundo.
REFORMADOR - Mas, aqui fiz amigos.
HOMEM - Que continuarão teus amigos.
REFORMADOR - (pára de pular, caminha a um canto, sob os olhares surpresos do homem).
HOMEM - Que tens? E a amarelinha?
REFORMADOR - Não quero mais. Estou muito triste.
HOMEM - Não há razão para tanta tristeza.
REFORMADOR - Pensas tu. As reformas perderão o efeito...
HOMEM - (chega-se ao Reformador, carinhoso): Ora, vamos. O plano do Cão vai dar certo. Foi uma boa
idéia.
REFORMADOR - Não sei. Tenho as minhas dúvidas.
HOMEM - Pois eu não. Tudo dará certo!
REFORMADOR - Falas assim para me contentar. Eu sei.
HOMEM - É a verdade. Tenho certeza do sucesso.
CENA II
(Homem, Reformador, Cão)
CÃO - (entrando, todo feliz): Olá, Tudo bem?
HOMEM - Não muito. O pequeno está triste.
CÃO - (aproxima-se do Reformador): Não há razão. Todos nós estamos contentes.
REFORMADOR - Hoje, vou-me embora. A rainha deve ter conseguido.
HOMEM - Conseguir, sim. E ficarás feliz revendo seus amigos.
CÃO - Isso é verdade.
HOMEM - (ríspido): Olha aqui, seu vira-lata. Não me venha mais com essa mania de “isso é verdade,
isso é verdade”...
REFORMADOR - Deixe-o
HOMEM - Isso me irrita.
CÃO - Isso é verdade.
HOMEM - (tenta avançar contra o Cão, mas este lhe mostra os dentes, rosnando).
REFORMADOR - Viu? Ele acaba te mordendo outra vez.
HOMEM - Bem, isso é verdade.
REFORMADOR - Também, tu?
HOMEM - (ri): Saiu sem querer. É pior que cachumba. Pega.
CÃO - Isso é... Bem, isso é um fato.
- (Os três explodem em gargalhadas, com o Cão rolando pelo chão de tanto rir. Nessa
movimentação, o Cão prende a cauda num dos braços. Quando se põe de pé, dá com a suposta
- 16 -
falta do rabo).
CÃO - (olha para trás de si e não vê o rabo): Socorro, roubaram o meu rabo! Socorro! Socorro!
REFORMADOR - (rindo à beça): O teu rabo está preso no braço. Lorde.
CÃO - (encabulado, desata a cauda do braço).
CENA III
(Homem, Reformador, Cão, Flor, Peixe).
- (O Peixe e a Flor entram, surpreendendo toda a folia).
PEIXE - Muito bem. Mostram-se alegres.
FLOR - É bom sinal!
HOMEM - Só mesmo o Lorde para fazê-lo rir. (aponta para o Reformador).
REFORMADOR - Também, doido desse jeito...
FLOR - Que te fazia triste?
REFORMADOR - A minha provável partida.
PEIXE - Voltarás para o teu mundo.
REFORMADOR - Aprendi a gostar daqui, apesar de também querer voltar.
HOMEM - Pelos amigos?
REFORMADOR - Sim. Pelos amigos, penso em voltar.
PEIXE - A vida é assim mesmo.
REFORMADOR - Não se pode ter o sol e as estrelas ao mesmo tempo. São opostos. O dia apaga as estrelas.
CÃO - E a noite as acende.
REFORMADOR - Então, de dia temo o sol e pensamos nas estrelas. À noite, temos as estrelas e pensamos no
sol.
FLOR - Irás para os teu amigos de lá, mas não deixarás de pensar em nós.
REFORMADOR - Nunca. E quando cada um pensar em mim, se firmar bem o pensamento, ouvirá a minha voz,
sentirá o meu abraço... (põe-se a chorar).
HOMEM - (corre ao Reformador, abraça-o): Oh, não chores meu pequeno. Algum dia, quem sabe,
estaremos contigo, lá no teu mundo.
CÃO - Serei teu cão novamente.
FLOR - E eu tornarei a enfeitar tua vida.
PEIXE - Só poderei te fazer companhia.
- (Pequena pausa) -
HOMEM - Por onde andará o Leão?
FLOR - Teria vencido a luta?
CÃO - Acho que já é o rei. Há muito que não o vemos.
CENA IV
(Leão e os demais)
- (Mal o Cão acaba de falar, entra o Leão)
LEÃO - (exultante): Ora, viva os meus amigos!
CÃO - (dá um pulo de susto e joga-se ao chão de pernas para o ar): Não me comas, não me comas.
HOMEM - (ri): Tu és um boboca. Não vês que é nosso amigo?
CÃO - Pensei que fosse outro. São todos iguais...
- 17 -
REFORMADOR - E então? Como foste?
LEÃO - Maravilhosamente. Quando chegou a minha vez de lutar, pensei em ti. Foi o bastante. Na
primeira patada, pus meus adversários fora de combate.
FLOR - Que ótimo! Então, és o rei?
LEÃO - (orgulhoso): Sou o rei da minha selva.
PEIXE - Pensávamos que não virias mais.
LEÃO - Ora, como poderia esquecer os meus amigos?
FLOR - Demoraste tanto...
LEÃO - Tinha umas leis para assinar, alguns decretos para estudar... A nomeação dos meus
ministros...
Cão - Puxa, trabalho prá burro!
REFORMADOR - Prá burro, não. Prá Leão.
- (Todos riem).
PEIXE - Estás feliz?
LEÃO - Muitíssimo.
REFORMADOR - Eu também. Só espero que o plano do Lorde dê certo.
CÃO - Dará, tenha certeza.
HOMEM - Claro!
REFORMADOR - Daqui a pouco saberemos. Está chegando a hora.
FLOR - Que bom estarmos todos juntos.
PEIXE - É verdade.
HOMEM - Vamos comemorar?
CÃO - O que, desta vez?
HOMEM - A nossa felicidade.
FLOR - Boa idéia.
REFORMADOR - Cantando.
PEIXE - Eu topo.
HOMEM - Então, vou apanhar o meu violão. (sai, a fim de pegar o violão).
- (Os outros sentam-se em círculo. O Homem retorna, e senta-se entre eles. Estão alegres).
CENA V
(Rainha e os demais).
- (Estão ainda cantando. A Rainha entra, suavemente, sem ser vista. Aproxima-se do grupo.
Bem perto, o Reformador a avista)
REFORMADOR - (ergue-se, lentamente, e põe-se aos pés da Rainha).
RAINHA - Ergue-te. Como vais?
REFORMADOR - (ergue-se): Bem, eu creio.
RAINHA - (olha para os outros, que estão ainda sentados, imóveis): E os teus?
REFORMADOR - Todos bem.
RAINHA - Trago-te notícias.
REFORMADOR - Esperava-as.
RAINHA - Perdoaram-te. Podes voltar.
- 18 -
- (Os outros ficam de pé, dando vivas às novas trazidas pela Rainha. Correm a cumprimentar o
Reformador, que não parece ter ficado muito satisfeito com a notícia).
HOMEM - Meus parabéns, pequeno! Merecias.
FLOR - Sinto que te vais, mas estou feliz por ti.
RAINHA - Vejo que deixarás bons amigos.
REFORMADOR - É esta a minha tristeza.
CÃO - (emocionado): Nem posso falar.
RAINHA - Tenho-te outra novidade. Mas, eles deverão provar-me que são teus amigos sinceros.
REFORMADOR - Como, assim?
RAINHA - Se todos eles provarem lealdade à tua amizade, tu poderás visitá-los a cada lua nova. Caso
contrário, irás para sempre. É uma parte do regulamento que não conhecias.
HOMEM - Pois que seja respeitado o regulamento. Anda, põem-nos à prova.
FLOR - Estou disposta.
PEIXE - E eu também.
CÃO - Estou sempre disposto.
LEÃO - Posso falar?
REFORMADOR - Claro. E por que não falavas?
LEÃO - Porque não fui apresentado à essa senhora (aponta para a rainha).
REFORMADOR - Oh, Leão, perdoa-me. Agora me lembro, não estavas aqui quando ela veio da primeira vez.
CÃO - Não, ele não estava.
REFORMADOR - Então, esta é a minha Rainha (aponta para o Leão).
LEÃO - Agora, sim. Bem, eu acho que todos nós devemos grandes coisas ao Reformador. Por isso,
faremos o possível para provar nossa amizade, a fim de que ele possa se mais feliz.
FLOR - Apoiado.
PEIXE - Palavras de rei.
HOMEM - Então, comecemos. Que quer que se faça.
RAINHA - (ao Homem): Começarei por ti, que tanto te queixaste da outra vez. Tenho mais poderes que
o pequeno Reformador. Por isso, tornar-te-ei o mais rico dos homens se renegares a amizade
do Reformador.
HOMEM - (indignado): Se és mesmo rainha, carrega todo o teu ouro para o teu palácio. Prefiro a
pobreza a ter que desprezar esta amizade.
RAINHA - Pois bem. (vira-se para a Flor): E tu, trocas a condição da mais bela flor deste mundo pela
amizade do pequeno? Lembra-se és feia e sem perfume. E continuarias andante.
FLOR - Pois faze-me para sempre imóvel, mas num lugar onde eu possa ver o céu. Lá encontrarei os
olhos do meu pequeno. Ë o bastante.
RAINHA - (para o Leão): Tu, então, és um leão medíocre. Voltarás a ser covarde quando o pequeno se
for. Queres dominar todas as selvas do mundo? Recusa o pequeno Reformador?
LEÃO - Que me tornes prisioneiro de um lagarta. Nunca o deixarei.
RAINHA - (para o Peixe): Serás o senhor dos mares. Governarás os oceanos.
PEIXE - Prefiro morrer à seca.
RAINHA - (ao chão): Serás o príncipe dos cães. Teu dono será um rei e tua moradia um castelo. Terás
escravos para teu uso. Serás eterno.
CÃO - Deus me fez fiel ao homem. Que me faças morrer à míngua. Sem dono, sem nome. Terei a
recompensa de ter sido o cão de uma bondosa criança, o meu pequeno Reformador.
RAINHA - (caminha um pouco): Meu pequeno Reformador. A amizade dos teus me surpreende. Está
acima das ambições. Considera-te feliz.
- 19 -
REFORMADOR - (exultante): Então, poderei voltar sempre?
RAINHA - Em toda lua nova.
- (Todos comemoram a notícia, de modo expressivo, com cantorias, vivas, saltos, danças, etc.).
RAINHA - Um momento! Está na hora da partida.
PEIXE - Tu voltarás sempre.
FLOR - Estarei sempre te esperando.
CÃO - Aguardarei a tua chegada.
HOMEM - Já estarei trabalhando, se Deus quiser. Poderei comprar balas e doces para ti.
LEÃO - Trarei outros animais para conheceres. Serão teus amigos.
REFORMADOR - (comovido): Tenho que despedir-me. Mas, estou alegre. A cada lua nova, aqui estarei, junto
de todos.
RAINHA - Vamos. E não te esqueças de avisá-los sobre o regulamento. As reformas perderão os
efeitos e eles voltarão a ser como antes.
REFORMADOR - Eles já sabem. (vai à Flor): Até breve. Logo nos veremos.
FLOR - Que Deus te acompanhe.
REFORMADOR - (vai ao Peixe): Até logo, amigo.
PEIXE - Até... (começa a chorar).
REFORMADOR - (ao Leão): Felicidades no teu reino.
LEÃO - Com a tua ajuda.
REFORMADOR - (ao Homem): Terei saudades de ti. És muito bom.
HOMEM - (Vai ao Cão e abraça-o): Lorde, nem sei o que te dizer. Se eu pudesse levar-te-ia comigo.
CÃO - Continuo sendo teu, aqui, deste mundo.
REFORMADOR - Bem, amigos, até uma outra vez.
CÃO - (sussurrando): O plano, não te esqueças.
REFORMADOR - Ah, sim. Gostaria que todos ficassem como antes, quando eu vos encontrei (sai em
companhia da rainha).
- (O Peixe põe-se a debater-se. A Flor fica completamente imóvel. O Homem deita-se, a bocejar.
O Leão encurva-se, como um covarde. O Cão cai ao solo, por não poder manter-se sem a
muleta).
- Segundos depois -
- (De repente, todos ficam imóveis, por segundos, silentes. Depois, a um salto só, põem-se de
pé. Todos estão novamente perfeitos, como quando reformados).
HOMEM - Deu certo!
FLOR - Sim. A esta hora, o Reformador já deve ter saído da atmosfera (olha o alto).
PEIXE - Vejam, eu continuo respirando mesmo fora da água.
CÃO - E eu não estou mancando.
LEÃO - Confesso sentir-me novamente corajoso.
FLOR - (para o Cão): Como tiveste a idéia do plano?
CÃO - Muito fácil. O regulamento é assim. Todas as reformas do pequeno perderiam seus efeitos,
certo?
TODOS - Certo.
CÃO - Se nós estivéssemos assim, como agora, ficaríamos o contrário, certo?
TODOS - Certo!
- 20 -
CÃO - Logo, o regulamento faz com que tudo volte à forma anterior da última reforma. O pequeno
reformando-nos ao contrário, na hora da sua partida, deixando-nos com todos os defeitos...
PEIXE - Quando ele se fosse...
HOMEM - Voltaríamos a ser como antes da última reforma.
LEÃO - Com as reformas primeiras.
HOMEM - Mas, eu não fui reformado.
FLOR - Não? E a tua disposição ao trabalho? E o teu novo modo de pensar?
HOMEM - (pensativo): Tens razão.
LEÃO - (olhando para o céu): Vejam, dois pontinhos de luz lá longe.
PEIXE - São eles. O Reformador e a Rainha.
FLOR - Estão se afastando.
CÃO - Vamos acenar? Será que eles nos podem ver?
HOMEM - Claro. Eles nos vêm com o coração.
- (Todos se põem a acenar em direção ao céu).
FIM
-21-

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